Rezende Marques Advocacia

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Violência Patrimonial no Contexto de Divórcio

violência patrimonial

Resumo

Fala-se na contemporaneidade dos tipos de violência sofridos por ambos os
cônjuges/conviventes pós divórcio, ou ainda durante a propositura da
dissolução marital ao qual se apresentam de diversas formas e
independentemente do gênero. De toda sorte com criação da Lei Maria da
Penha, no 11.340, de 7 de agosto de 2006, a qual descreveu, em seu capítulo
7o, Inciso IV as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher,
trouxe em seu bojo o enfoque para o aspecto patrimonial, configurada de
forma contundente por conduta de retenção, diminuição, destruição parcial
ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais,
bens, valores e direitos ou recursos econômicos. Neste contexto trataremos
da complexibilidade de configuração e das estratégias de evadir-se da
caracterização efetiva de violência patrimonial utilizada pelas partes na
esfera judicial e extrajudicial.

  1. DA INTRODUÇÃO

A mobilização voltada ao tema Violência Doméstica está
disseminada entre a mídia sensacionalista, estimulada ao debate nas
Constelações Familiares, debatida nas Conciliações e Mediações nas Varas
de Família, acolhida e dissecada pelos Magistrados e até popularizado o
termo em meio a população em massa.

Mas existem nas entranhas da violência familiar, questões ainda
pouco demonstradas e não asseguradas aos cônjuges/companheiros em
processo de divórcio ou pós divórcio, vejam leitores que é raro ver
advogados que nos escritórios especializados em Direito de Família nunca
tenha escutado a seguinte frase: “Doutora, ele (a) não vale nada, mas isso ele
não teria coragem de fazer comigo não!!!”

Neste ínterim, de fato há uma preocupação dos
cônjuges/companheiros em respeito à moradia, vejam a fatidicamente
pergunta que emana da maioria dos casais: “Como faremos com o imóvel?
Ficará para quem?”

Entretanto não se pode resumir nem a violência familiar à violência
doméstica, nem tampouco se pode menosprezar o imensurável prejuízo a que
se pode levar uma das partes diante da violência patrimonial em suas diversas
faces.

Existe ainda a violência psicológica que cumpre papel importante
para configuração da violência patrimonial, porém frisa-se que nem sempre
temos a caracterização de várias formas de violência numa única relação,para a abordagem do tema em voga, citaremos alguns específicos casos em
que o estado psíquico da parte influencia na tomada de decisões que geram
a tentativa e invariavelmente até mesmo a efetiva ocorrência da violência
patrimonial.

Cumpre ressaltar que trataremos ainda da subcultura que envelopa
e encoraja a incidência da violência patrimonial consubstanciada sob a ótica
de que vivemos num país cujo a violência é “cultural”, arraigada nas
entranhas da sociedade e ao arrepio da realidade ainda se acredita que
questões voltadas à violência patrimonial está restrita à classe média e alta,
o que será desmistificado no decorrer desta leitura.

Ao analisar as diversas nuances que podem desencadear a
incidência da violência patrimonial, verificaremos que em muitos casos
cotidianos e independentemente da classe social que as partes ocupem no

momento do divórcio é possível precaver-se, atentar-se e inclusive antecipar-
se com vistas a não vivência cruel que esse tipo de violência pode causar.

Em suma justifica-se a abordagem do tema para enfatizar aos nobres
leitores a importância de conhecer as facetas da violência patrimonial, com
vistas a qualificar a identificação de sua incidência, as tratativas
extrajudiciais necessárias à sua comprovação, incentivar estudos específicos
para inibir sua caracterização, proteção do direito a dignidade da pessoa
humana, do direito ao exercício de sua profissão, que a parte faz jus,
garantindo à busca da mais lídima justiça.

  1. DA GENERALIZAÇÃO DO TERMO: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Não é difícil ligarmos a televisão e ao assistir à um jornal,
principalmente aos de caráter sensacionalistas e nos depararmos com a
abordagem da violência doméstica, muitas vezes inclusive a matéria não
determina que trata-se na verdade de uma das formas de incidência da
violência doméstica e familiar, neste caso a violência física.

Porém a violência doméstica e familiar, possui outras formas de
incidência, tais, como a psicológica, patrimonial, sexual, moral e como já
explanado à física.

Inclusive insta frisar que não existe uma diferenciação clara entre a
violência doméstica e a violência familiar, que em uma linha tênue são
classificadas como a identificação de um comportamento repetitivo abusivo
que ocorre dentro de um relacionamento íntimo ou familiar onde uma pessoa
assume um papel de poder sobre a outra nas mais diversas circunstâncias.

Importante neste ítem é que reconheçamos que as tratativas dos casos
de sua incidência estão banalizando-se, são mencionadas muitas vezes fora
de contexto, para classificar outro comportamento social ou psíquico, não
inerente à relação familiar, portanto a presença de alguns requisitos
essenciais a cada forma de incidência da violência doméstica ou familiar é
de sumo cuidado e deve ser cirurgicamente desvencilhado para sua determinação.

Vejamos frases soltas que chegam de diversas formas a nos em nossos
cotidianos:

  1. “ Mas também ele mereceu ficar com tudo né, ele que se
    matava de trabalhar sozinho!”
  2. “Já avisei a ela que vai se arrepender se continuar a me
    contrariar!”
  3. “Vc acredita que ela falou que vai infernizar a vida dele, se
    ele pedir a separação”
  4. “Ela apanha direto do marido e continua com ele!”
  5. “Não tem essa de dizer que não quer, tem que estar
    disponível e pronto!”

Veja que por muitas vezes se torna fácil identificar nas frases acima
que tipos de violências estão sugeridas, porém quando se trata de violência
patrimonial muitas vezes elas não aparecem nas falas, nem tampouco no
convívio e por muitas vezes trazem em seu bojo um sentimento de soberba
e ainda de impunidade.

  1. DAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES E DAS
    CONCILIAÇÕES/MEDIAÇÕES

Em raríssimas vezes ouvimos falar do brilhante trabalho realizado
pelas Constelações Familiares no âmbito dos divórcios.

A Constelação Familiar, foi desenvolvida pelo psicoterapeuta Bert
Hellinger, refrindo-se a uma terapia alternativa que busca favorecer a
compreensão de transtornos psicológicos, principalmente os que sãoestimulados pela prática das relações familiares ou de relacionamentos, a fim
de identificar os fatores de estresse, pontos de colisão, rachaduras
comportamentais comprometedoras.

Já as Conciliações e Mediações nas Varas de Família possuem na
realidade um papel duplo, senão tríplo ou quiçá quadruplo, neste interím
registra-se que o papel delas que está diretamente ligado a inibição da
violência familiar e doméstica em quaisquer de suas formas nas mais
diversas formas de relacionamentos afetivos, inclusive muitas vezes restam
identificados os polos da violência, vítima e agressor, em sede das sessões.

  1. DA CONFIANÇA MATRIMONIAL

Define-se confiança patrimonial como um tabu milenar e ainda
como um reduto impenetrável que se inicia com a monogamia e a busca
da fidelidade desde os primórdios da humanidade.

A sociedade atual ativamente afetiva em relacionamentos ainda
busca a certeza e a segurança no outro, legitimando que todas as suas ações
serão coerentes com o amor, o respeito e a lealdade que sentem.

Pasmem caros leitores, mas é exatamente esta confiança que alicerça
a violência patrimonial, pois perceba que seja pela cobrança, pelo
julgamento, pelo reconhecimento do outro que boa parte das vítimas se
sujeitam ou até mesmo sequer percebem a ocorrência da violência patrimonial.Cito aqui uma questão bastante corriqueira atualmente, que possui
reações inversamente proporcionais, veja que se uma mulher não deseja
incluir o sobrenome do marido ao seu ou se esta manifesta interesse em
regime matrimonial de separação total de bens, em alguns casos é vista
como empoderada, porém existem diversos casos aos quais são postos em
xeque o amor que ela sente ou a usura em partilhar e até as prioridades a
que é particular a cada um.

Em muitos casos escutamos: “ele jamais faria isso comigo”, “ela
sabe que as máquinas são para meu trabalho”, “não acredito que vou ter
que provar que comprei nossa casa juntos”, “antes do divórcio ele fez
diversos empréstimos em meu nome”, “ela mentiu para mim e transferiu
nosso imóvel para um “laranja…”

As frases acima são reais e ouvidas com mais frequência do que se
imagina nos casos de divórcio, principalmente nos não consensuais.

Portanto, é imprescindível atualmente, possuir alguma educação
financeira e patrimonial, inclusive para se relacionar com o outro, seja em
relações de quaisquer forma, visto que a incidência da violência
patrimonial é indiscriminada entre mais diversas classes sociais, etnias,
gêneros, raça e profissões.

  1. DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA PARA INCIDÊNCIA DA
    VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

Observe que, depois de tratarmos alguns aspectos, é possível já
imaginarmos o movimento feroz que a psicologia exerce antes, durante edepois da incidência da violência patrimonial, senão observemos que
inicialmente a ideia de violentar patrimonialmente seu (sua) parceiro (a) é
algo intrínseco, algo particular e inerente a sua perspectiva e vivência sobre
a questão patrimonial pessoal do agressor.

Propositalmente usamos o termo agressor, pois diferente do que
pensam muitos de nós, a violência patrimonial possui pelo menos dois
polos, quais sejam, vítima e agressor, razão pela qual o termo agressor é
tangível senão o adequado para determinar o sujeito ativo.

A mente humana em um relacionamento afetivo geralmente trazem
o enfoque de que o amor é a mais importante fonte de felicidade, razão
pela qual citarei algumas frases bem conhecidas para melhor explicar o
que geralmente ocorre nos casos de divórcio, vejamos: “- O amor é cego”
ou “O que os olhos não veêm o coração não sente”; pois bem meus caros,
sim o “amor” por muitas vezes nos tornam cegos mesmo quando
enxergamos perfeitamente bem, e é claro que o que os nossos olhos não
veêm o coração e outras partes do nosso corpo sentem e muito.

Ou seja, muitas atitudes ocultas e outras até mesmo as claras
podem passar despercebidas pela vítima de violência patrimonial, ocorre
que elas não incidem porque sentem amor pelo agressor, mas sim porque
se cientes da ocorrência passam por direta influência negativa na forma
psicológica.

E veja que se as vítimas não cientes da ocorrência da violência
patrimonial indubitavelmente enfrentarão em algum momento a
frustração, o sentimento de impotência e de abalo da confiança inclusiveem sigo mesmas, ou seja irão sentir cruelmente no coração, na alma, no
bolso, na psique aquilo que lhes foram violentados mesmo sem que os
olhos pudessem ver.

Verdade é que muitos aspectos psicológicos permeiam a mente do
agressor nos mais diversos momentos que cercam a efetivação do divórcio,
há por exemplo os que se antecipam a manifestação do desejo de se
divorciar e premeditam, arquitetam a violência patrimonial, também há
aqueles que tomados pela não aceitação de algum aspecto específico ou
até mesmo de vários aspectos, atuam na constância da ação judicial do
divórcio tornando-se agressor no curso da lide e há os que após o divórcio
tornam-se agressores com vistas à impedir a construção ou reconstrução
do outro pós divórcio.

  1. DA SUBCULTURA DA INCIDÊNCIA DA VIOLÊNCIA

De maneira frequente nos deparamos com a violência em nosso
cotidiano e a taxa de incidência é cada vez mais elevada, isso ainda sem
considerarmos as violências ocultadas pelas vítimas.

Vivemos numa sociedade em que os julgamentos são inevitáveis,
razão pela qual em inúmeros casos mesmo quando se trata de violência
patrimonial há ocultação de sua ocorrência.

Não se pode admitir que o elevado índice de violência seja capaz de
caracterizar, inclusive de maneira distorcida, uma cultura social, senão
vejamos que cultura são costumes, leis, crenças morais e conhecimentosadquiridos a partir do convívio social, sendo assim não se pode admitir
costume, credibilidade e naturalidade quando da incidência de qualquer
forma de violência, sob pena de nos tornarmos uma sociedade
violentamente sem cultura a transcender.

  1. DAS FACETAS DA VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

A violência patrimonial está caracterizada como uma forma de
violência doméstica e familiar, porém muitas vezes ela se torna difícil de ser
identificada e inclusive de ser contida.

Como alguns exemplos temos, a quebra de celular, notebooks,
subtração de joias, relógios, retenção de documentos que comprovam
propriedade de bens, inserção de cláusulas em documentos comuns ao casal,
transferência de valores pecuniários à terceiros, aquisição de bens em nome
de terceiros, ocultação de pró-labore, destituição de padrão financeiro, uso
benefícios financeiros e de dados pessoais de outrem em benefício próprio,
retenção ou subtração de material profissional, controle salarial, entre outras.

De fato, a ocorrência da violência patrimonial não é exclusiva dos
casos de divórcio, importante antecipar esse fato, todavia inegavelmente a
conjuntura familiar é mais propícia a sua incidência.

  1. DAS TRATATIVAS JURÍDICAS QUANTO A INCIDÊNCIA DA
    VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

Nos casos de violência patrimonial, a Lei Maria da Penha prevê algumas
medidas liminares inaudita altera pars, ou seja, medidas que devem ser
tomadas rapidamente, antes mesmo do conhecimento da parte contrária ou
do fim do processo, tais como:

– A devolução de todos os bens e recursos em posse indevida do agressor;
– A proibição temporária da realização de negociações com os bens e
recursos do casal, exceto quando autorizado em juízo;
– A suspensão imediata de procurações que a vítima tenha dado ao agressor;
– O depósito de uma “caução provisória” como meio de garantir a restituição
de eventuais perdas causadas pelo agressor.

Além destas medidas liminares, que só serão concedidas se demonstrado o
periculum in mora (perigo da demora) e o fumus boni iuris (fumaça do bom
direito, o amparo legal), haverá todas as consequências da natureza do crime
praticado. É comum, por exemplo, que uma violência patrimonial ainda
envolva a ocorrência de um estelionato e o agressor responderá por este
crime de forma autônoma.

Referências
BAPTISTA, Rafael Rocha de Oliveira. Violência Patrimonial e a
Permanência da Mulher no Relacionamento Abusivo. Curitiba: Juruá, 2022,p. 14

SAGIM, M. B.; BIASOLI-ALVES, Z. M. M.; DELFINO, V.;
VENTURINI, F. P. A mulher como vítima de violência doméstica. Família
Saúde Desenvolvimento. Curitiba, v.7, n.1, p.17-23, 2005.
TANNURI, C. A.; GAGLIATO, C.M.T. Medidas Protetivas de Cunho
Patrimonial. Defensoria Pública do Estado de São Paulo, 2012. Disponível
em: http:www.defensoria.sp.gov.br.
SARDENBERG. Cecília Maria Bacellar. Violência de Gênero Contra
Mulheres. Suas Diferentes Faces e Estratégias de Enfrentamento e
Monitoramento, 2016.
SAAD, Gab. Abuso: Guia Prático, 2023. Editora Clube dos Autores.
TAVARES. Fernanda. OLIVEIRA. Daniele. O meio século chegou. E daí?
Ainda é cedo para uma crise de meia idade. 2024. Editora Viseu.

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